Estava eu hoje de tarde na Lojinha e comecei a observar

as pessoas que trabalham à minha volta.

A bilheteira, o segurança, a menina do café, o cozinheiro.

E todas elas pareciam tão concretas, tão reais.

Fiquei pensando que acordam todo dia e vão para o trabalho fazer o que fazem.

E aquilo é a vida delas. Nada vai ser. Tudo já é.

Me senti tão distante disso.

Elas apenas são enquanto eu sinto, o tempo todo, que ainda tenho de ser.

Ser uma atriz – ser uma grande atriz, de preferência –, ser financeiramente independente, ser emocionalmente independente, ser segura, ser capaz, ser magra, ter estima, ser bacana, ser legal, ser politicamente correta, não usar sacola plástica.

E ter um Plano B.

E eu sempre me esqueço do Plano B,

porque pra mim ele sempre foi manter o Plano A.

A ideia de que eu ainda não sou, não aconteci, ainda estou por vir,

por me tornar, a ideia de que minha vida ainda vai começar: me cansa.

“O que é que vai ser da minha vida?!”, é a pergunta que não quer calar e que, de alguma forma, me cala.

E eu sei que nada vai ser da minha vida, pois ela já está sendo,

e eu passo a metade do meu tempo esperando ser alguma coisa

que talvez não seja nunca – ou que talvez já seja e não saiba.

Às vezes eu penso as coisas mais loucas:

Que eu vou fugir pra uma cidadezinha do interior,

conseguir um emprego qualquer, num lugar qualquer e ter o que puder ter.

Se der para ter seguro saúde, ótimo. Se não, não fico doente.

Viver no que e do que for possível. Aceitar que talvez eu não conheça Nova York,

que talvez, diferente de minha irmã, de meus primos e de alguns amigos,

eu nunca compre um imóvel e tenha de pagar aluguel até o fim da vida.

Ou então, quando alguém me perguntar o que eu estou fazendo, quais são meus planos,

meus projetos – porque a gente sempre tem que ter um! –, eu penso em dizer algo bem absurdo, do tipo: “Ah, eu entrei pra uma ONG contra o aquecimento global e adotei uma criança na África, até já estou em contato com Angelina Jolie…”

 

Acho que cansei de ter esperança, só isso. Dá muito trabalho motivar, não só a mim,

mas também aos outros, de que tudo vai dar certo, que cada um tem um tempo,

e que “minha hora vai chegar…”.

Quer saber? Eu não sei se vai dar certo.

Eu não sei se eu estou vivendo um tie-break, nem se o match point vai ser meu.

Estou abrindo mão de minhas expectativas sobre mim mesma e me desviando das dos outros sobre mim. Apenas quero ser alguém que vive, respira, acorda e trabalha, como uma pessoa normal, ordinária. E se alguém perguntar:

“E Fabiana, rapaz, como é que tá?”, já naquele tom de voz mais baixo, diz qualquer coisa, pode até citar o projeto da ONG se quiser, mas me deixe em paz, não me pergunte mais quais são meus planos, nem o A, nem o B, inclusive porque eu nunca tive.

E se não puderem mais me ajudar, não tem problema. Olha, faz assim: se quiserem, eu posso até redigir uma carta de liberação de responsabilidade paterna e materna para com o filho: “Venho, por meia desta, atestar que recebi de meus pais tudo o que um filho sempre pôde pensar em ter. Eles me ajudaram financeiramente até a idade madura – repito, idade muito madura –, estando, portanto, livres de todo e qualquer compromisso para comigo a partir desta data”.

Libero todo mundo.

Principalmente a mim.

Acho que foi escrevendo isso, ao final de um dia de trabalho, que tenha dado o primeiro passo para as minhas estórias na Lojinha, que, querendo ou não, se confundem com a minha própria estória. Nunca tive a pretensão de querer escrever sobre coisa nenhuma,

e talvez o tal do Mark Zuckerberg tenha me incentivado sem saber com esse instrumento chamado Facebook, que permite um alcance tão grande,

mas que, para o meu deleite, ainda não tem o botão Caguei.

Acredito que minhas ousadias literárias não seriam tantas caso existisse essa função.

Mas um dia, talvez embriagada pelo tédio de um dia sem movimento,

e sentindo os fortes efeitos de uma anemia artística constante que me abatia,

comecei a escrever. Sem qualquer pretensão.

Sem qualquer ilusão quanto ao porquê daquilo.

Foi apenas uma forma de drenar minha veia artística.

E de exercitar o uso das letras visando a expressão, a comunicação.

Foi assim.

Um dia. Na Lojinha. Aconteceu. Eu escrevi.

Aí eu comecei a ver que acontecia sempre,

mesmo que o nada parecesse ser maior,

mesmo que o silêncio predominasse.

Então comecei ampliar meu olhar para isso,

para esse grande mundo subjetivo e concreto

que eu enxergava atrás do meu balcão,

e que o meu balcão talvez fosse a plateia

e à minha frente, o palco.

E que talvez,

por ironia ou capricho,

a vida estivesse me mudando de lugar, por ora,

para que eu pudesse escrever e não atuar.

 

Então o Na Lojinha não começou para começar a acontecer,

ele começou justo porque já acontecia.

Talvez um pouco como seja a vida

e a nossa ilusão de que algo precisa acontecer,

de que alguma coisa muito fantástica esteja

sempre na iminência de acontecer,

para que assim, só assim,

a nossa vida vá começar de verdade.

A única iminência é a do momento seguinte.

É compreender que o rio já corre

e não vai parar na nossa frente

para que a gente possa entrar e navegar.